“Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.”
Cora Coralina
Mesmo que o voluntariado tenha sempre estado presente na história do país, nunca havia se colocado como agora, como estratégia privilegiada de ampliação e renovação da intervenção social. No Brasil, desde o século 17, instituições de assistência a pessoas carentes foram orientadas para fins filantrópicos, seguindo o modelo das casas de misericórdia portuguesas, baseadas em ações cristãs. O nascimento formal do voluntariado teve origem no século 19, com o enfoque na benemerência. As instituições possuíam origens e fins diversos: instituições religiosas, de saúde (hospitais, asilos, hospícios) e educandários; instituições criadas para prestar assistência a imigrantes; e organizações profissionais ou de classes trabalhistas no início do século 20. Na época, os problemas sociais eram entendidos como “desvios” da ordem dominante e atribuídos a indivíduos “em desgraça”, que, por não terem oportunidade de reintegrar-se à sociedade, necessitavam da caridade organizada a fim de mudar de situação. Assim, as famílias mais abastadas, com boas intenções, distribuíam seus excedentes entre os necessitados. Historicamente, este tipo de trabalho esteve vinculado à atuação de damas caridosas da sociedade, sendo essencialmente um trabalho feminino. Neste contexto social paternalista, rigoroso e excludente, o “voluntariado de benemerência” era incipiente, moralizador, feminino e baseado em rígidos valores morais.
A partir do século 20, as instituições filantrópicas assistenciais passaram a ter a intervenção do poder público. A partir da década de 30, desenvolveu-se uma política de assistência social. O Estado de Bem-Estar Social do pós-guerra pregou a solução total das questões sociais, visando atender a população pobre. O atendimento aos necessitados passou a ser uma questão de política pública, passando o Estado a assumir a responsabilidade pelas condições de vida da população. A ideia de assistência privada e de benemerência que incluíam ações voluntárias e a solidariedade é contraposta à prática de serviços sociais do Estado. Embora desenvolvesse políticas muito interessantes, foi uma época que favoreceu o individualismo em prejuízo das iniciativas voluntárias ou associativas. Se o Estado tinha boas políticas sociais, quando e para que recorrer à solidariedade da sociedade civil?
Chegamos a década de 60 e surgiram irreversíveis transformações de comportamento, politizando e polemizando todas as relações ao extremo, inclusive as pessoais. Com a queda do Estado do Bem-Estar Social, o movimento voluntário viu-se questionado politicamente e sem direção clara; as parcelas mais ativas do movimento se identificaram com a crescente atividade político-partidária daquela época. O movimento voluntário foi influenciado por uma corrente contestatória e libertária presente em quase todos os movimentos sociais de origem popular da época.
A sociedade assumia sua participação ativa nas questões sociais e inúmeras organizações foram criadas, caracterizando uma atuação voluntária de ação social. Surge um voluntariado combativo, muitas vezes distante de seus ideais básicos.
Parecia um movimento “desorientado”, “espontâneo”, principalmente jovem e sem perspectivas de uma consolidação institucional que pudesse desenvolver sua identidade. A ação baseava-se no pressuposto de uma mudança de ordem social e situava-se muitas vezes no âmbito do protesto. Mas, na metade da década de 80, com a democratização da América Latina e dos países do chamado “Terceiro Mundo”, o neoliberalismo surgiu como concepção político-econômico-cultural no Ocidente. Os Estados ajustaram seus orçamentos e diminuíram lentamente os financiamentos da assistência social, transferidos para os empreendimentos privados ou para as mãos dos antigos beneficiados. A resposta foi o nascimento de um voluntariado que veio preencher os espaços e atender demandas e necessidades da sociedade. A Constituição de 88 traz a reflexão de que a responsabilidade não é mais exclusiva do Estado, mas uma corresponsabilidade entre o Estado e a Sociedade Civil, incluindo a atuação das organizações sociais, fundações e empresas. O trabalho voluntário passa a ser debatido como peça chave nesta abordagem de intervenção nos problemas sociais, tanto pela possibilidade individual de ação participativa nos problemas da sociedade, quanto pela ação privada para o bem público. A retrospectiva do voluntariado ajuda a elaborar um novo modelo de ação voluntária. A década de 90 abre as portas para um novo milênio e para um modelo de voluntariado que supere o anterior e considere o voluntário como um cidadão, que, motivado por valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento de maneira espontânea e não remunerada em prol de causas de interesse social e comunitário. Gestos individuais, espontâneos para com a comunidade, a sociedade tomando iniciativas imediatas para resolver seus problemas e, ao mesmo tempo pressionando o Estado para que ele cumpra seu papel de formular políticas públicas.
Mas apesar dessa evolução do voluntariado, não só no Brasil, mas em todo o mundo, algumas ideias e antigos conceitos ainda permanecem e são comuns a diversos países da América Latina, como os que participaram junto com o Centro de Voluntariado de São Paulo de um debate: Brasil, Guatemala, Peru, Equador, Bolívia e Colômbia. A pesquisa realizada em 2011 sobre o perfil do voluntário no Brasil indica uma maturidade e um crescimento do voluntariado em nosso país, mas vale a reflexão desses temas, que ainda aparecem como falsas ideias e percepções do que é ser voluntário
• O voluntariado é apenas exercido por mulheres;
• Os jovens não se interessam pelo voluntariado;
• O voluntariado precisa ser realizado presencialmente;
• Apenas fazem trabalho voluntário pessoas com renda média alta, nível de educação superior e que têm muito tempo livre;
• O voluntariado é feito de forma desordenada, sem compromisso e que não há espaço para profissionalização e tecnologias;
• Voluntariado acontece apenas em ONGs e que não deve haver interferência do Estado.
• Criar uma metodologia global para medir grau de comprometimento e impacto do voluntariado;
• Incluir o voluntariado no discurso do desenvolvimento a nível global, regional e nacional;
• Integrar o voluntariado em todos os programas que promovam o desenvolvimento e a paz;
• Destacar que o voluntariado deve ser considerado um poderoso recurso e componente vital do capital social de todas as nações.