Era uma casa bem pouco engraçada

Por: Felipe Mello, Roberto Ravagnani
26 Março 2014 - 23h55

Aquela vizinhança vivia um momento único. Nunca na história daquele pedaço tantas coisas importantes estavam acontecendo. Uma verdadeira revolução. Gente de todos os lugares, próximos ou distantes, observavam boquiabertos sua florescência.
Em uma de suas esquinas havia uma casa. Consumida pelas folhas do calendário, demonstrava sinais evidentes de cansaço e fragilidade. Seus donos, um casal de classe média bem média, estavam atentos. O noticiário deixava claro que o metro quadrado estava solidamente valorizado. Nada de especulação. A pujança do bairro era real, fruto de um desenvolvimento socioeconômico inquestionável. Seus olhos brilhavam com a oportunidade de vender bem o imóvel. Comprariam um apartamento em um condomínio com piscina, trocariam o carro velho por um bem bonito e também, com sorte, arrematariam uma casinha no litoral.
Ensaiaram durante algum tempo. Enfim, decidiram colocar uma placa bem visível: “Vende-se este imóvel”. Bastava esperar a fila de interessados e ser firme na negociação. A mudança de vida era fatura certa. Estava tudo planejado.
Em uma tarde quente, um corretor passava pelo local e decidiu ter com os proprietários. Viu ali uma chance de ganhar uma comissão. Convidado a entrar, bebeu um café servido pela jovem senhora. Papo vai, papo vem. Andança pelos recintos da casa. Anotações. Chegara a hora do bom negócio? Ainda não, sentenciou o profissional. Uma reforma era fundamental para uma venda mais rentável.
Ato contínuo, a confissão do dono chegou. Ele sabia que a estrutura da casa pedia intervenções sérias há tempos. Encanamento, instalação elétrica, colunas, telhado. Diante daquela sinceridade constrangedora, o corretor discursou. Nada disso era relevante para uma boa venda. O fundamental era melhorar o visual, com especial atenção para a escolha de cores imponentes e, acima de tudo, o quintal, que tinha potencial para abrigar um playground batuta. Mas, e a estrutura?, insistiu o jovem senhor. O que vende é a imagem, argumentou o vendedor, espalhando promessas de retorno rápido. Cuidem do visual e deixem o restante comigo, concluiu.
Assim foi feito. Dada a pressa, os donos da casa de classe média bem média foram às compras. Crédito fácil. Maravilha. Juros obscenos. Tudo bem, o retorno era líquido e certo. Confiavam cegamente no corretor e, especialmente, no homem conhecido que dizia por onde passava que o momento era mágico. Nunca na história daquele pedaço tantas coisas importantes estavam acontecendo.
Compraram tinta, pincel e outros apetrechos. Investimento razoável. Crentes e audaciosos, escolheram diversos brinquedos para o playground. Para pronta entrega, pagaram taxas de comodidade. Mais crédito fácil. Muito mais juros. Tudo por uma boa casa. E por uma boa causa. O retorno era certo, com lucro de fazer a vizinhança babar de inveja. O sonho estava acontecendo.
Em poucos dias, estava tudo instalado. Se os proprietários acharam a reforma incrível, pode-se calcular a alegria das crianças daquele lar. Sim, por lá viviam duas crianças na faixa dos 10 anos de idade. Elas se entregaram ao mundo da brincadeira, do faz de conta. Passaram horas incalculáveis subindo e descendo as escadas coloridas e os escorregadores emocionantes.
A notícia se espalhou como fogo em mato seco. Vizinhos e potenciais compradores foram aos montes conhecer aquelas instalações de lazer. As crianças estavam orgulhosas de seu quintal. Ostentavam as instalações frente aos rebentos das outras casas. Estes últimos, afinal, podiam brincar só um pouco e depois voltar para fazer o dever de casa. Mesmo que a casa fosse vendida, aquele momento ficaria eternizado. Gente de muito longe passou por lá. Olhavam, encantavam-se, mas não fechavam negócio. Os donos começaram a ficar preocupados. As contas, filhas do crédito fácil, mas escravas dos tais juros obscenos, lotavam a caixa de correspondência.
De tanto brincarem, as crianças da casa se esqueceram por completo dos estudos. Foram ficando para trás. Tinham um ótimo playground, padrão internacional, mas as sedutoras distrações esvaziavam suas mochilas. A ilusão da brincadeira eterna estava cavando, pá ante pá, uma cova profunda. Os pais nem perceberam, ou se perceberam não tinham disposição para cuidar da fragilidade da estrutura fundamental dos filhos. Estavam de cabelos em pé com o risco iminente de uma falência financeira.
Um bom tempo depois, tomando mais um café, o corretor reconheceu: o problema era a estrutura da casa. Daquele jeito não dava para vender bem. Misto de revolta e pânico dos proprietários. Argumentaram que o playground era incomparável. Sim, concordou o vendedor, mas se os clientes — os bons, os reais, não os especuladores e aproveitadores — gostavam de brincar nos brinquedos, gostavam ainda mais de saber que o teto não cairia em suas cabeças. Dizendo que sentia muito, despediu-se e foi vender promessas em outro lugar.
A placa de “Vende-se este imóvel” enferrujou na fachada da casa. Restavam 67 parcelas do empréstimo.
P.s.: A metáfora foi utilizada para não contrariar explicitamente um Rei e um Fenômeno, que adoramplaygrounds bonitos.

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