Doenças raras: uma política para chamar de sua?

Por: Luciano Guimarães
04 Julho 2014 - 17h33


Edição da Portaria 199/2014 e futura aprovação dos Projetos de Lei 1606/2011 e 2669/2011, no Congresso Nacional, beneficiarão cerca de 15 milhões de brasileiros

Exemplo mundial em programas governamentais de prevenção e combate a doenças como Aids, poliomielite e tuberculose, entre outras enfermidades, o Brasil criou, em fevereiro deste ano, a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no Sistema Único de Saúde (SUS). Estabelecida por meio da Portaria 199/2014, do Ministério da Saúde, ela tem o objetivo de reduzir a mortalidade decorrente das doenças raras e contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
A Portaria prevê investimentos da ordem de R$ 130 milhões na organização de uma rede de atendimento gratuita para a população, e abre caminho para a realização de ações de promoção, prevenção, detecção precoce, tratamento oportuno, redução de incapacidade e cuidados paliativos. Estima-se que entre 6 mil e 8 mil tipos de doenças raras acometam aproximadamente 15 milhões de pessoas em todo o Brasil, mas este número pode ser bem maior.
A Rare Disease Europe (Eurordis), aliança não-governamental que representa 624 associações de pessoas com doenças raras em 58 países, acredita que em torno de 80% dessas enfermidades sejam de origem genética; são frequentemente crônicas e potencialmente fatais.
Mais recentemente, no início de abril, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo do deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) ao Projeto de Lei 1606/2011 do deputado Marçal Filho (PMDB-MS), e ao PL 2669/2011, do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que institui a Política Nacional para Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Tanto a Portaria 199 quanto o PL 1606/2011 consideram como doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil, ou seja, 1,3 para cada 2 mil indivíduos. Até meados de maio [quando esta reportagem foi produzida], o PL encontrava-se em análise na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), e a ele foi apensado o PL 2669/2011. Segundo o Ministério da Saúde, doenças raras caracterizam-se por grande diversidade de sinais e sintomas. Pior: variam não só de doença para doença, mas também de pessoa para pessoa. É por isso que, em muitos casos, fazer um diagnóstico é bastante complicado.
Entre as milhares existentes, destacam-se hipertensão arterial pulmonar, fibrose cística, epidermólise bolhosa, atrofia muscular espinhal infantil, neurofibromatose, osteogênese imperfeita, doenças do armazenamento lisossomal, condrodisplasia, porfiria, síndrome de Rett, esclerose amiotrófica lateral, sarcoma de Kaposi e câncer da tiroide, além de doença de Huntington; de Chron; de Niemann Pick; e de Charcot-Marie-Tooth.

Passo adiante

Antes da edição da Portaria e da aprovação do PL 1606/2011 nas Comissões da Câmara, o Brasil terminou o ano de 2013 (12 de dezembro) dando mais um passo adiante, ao obrigar os planos de saúde a cobrirem exames genéticos, por meio de nota técnica publicada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Desde 2 de janeiro deste ano, eles têm de autorizar exames de análise dos genes BRCA 1 e BRCA 2, que aumentam o risco de câncer de mama. A norma alcança 29 doenças genéticas, entre elas enfermidades neurológicas, do sangue e alguns tipos de câncer hereditários, como o de ovário, de intestino e de tireoide.
De acordo com o texto do PL 1606/2011, o Ministério da Saúde será obrigado a fornecer medicamentos para o tratamento de doenças graves e raras, ainda que eles não constem na relação de remédios distribuídos gratuitamente pelo SUS. Esta política pública deverá ser implementada em até três anos, nas esferas nacional, estaduais e municipais, estabelecendo uma Rede Nacional de Cuidados ao Paciente com Doença Rara.
Com grandes chances de ser votada ainda neste ano na Câmara e no Senado, e passar pela sanção presidencial, o PL reconhece o direito de acesso dos pacientes diagnosticados com doenças raras aos cuidados adequados, incluindo a provisão de medicamentos órfãos. Esta designação surgiu porque, em condições normais de mercado, a indústria farmacêutica pouco se interessa por seu desenvolvimento e comercialização, posto que são voltados a um pequeno número de pacientes.
Destinados à prevenção, diagnóstico ou tratamento de doenças muito graves ou que constituem um risco para a vida e que são raras, esses medicamentos deverão ser utilizados a partir da determinação dos centros de referência do SUS ou por ele certificados. A necessidade será reavaliada a cada seis meses. Pelo PL 1606/2011, esses remédios terão preferência na análise para concessão de registro sanitário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Portaria também incorpora 15 novos exames de diagnóstico em doenças raras, além do repasse de recursos para custeio das equipes de saúde dos serviços especializados e da oferta do aconselhamento genético no Sistema Único de Saúde (SUS).
Este último aspecto, por sinal, é um nó que precisa ser desatado, na opinião da deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP). A parlamentar critica veementemente o fato de a Portaria dar exclusividade de exercício de aconselhamento genético apenas a médicos geneticistas. A reclamação faz sentido, visto que o país conta com cerca de 200 geneticistas, dos quais 165 estão registrados na Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM). Ou seja, teríamos um profissional para cada 37,5 mil pessoas, tarefa considerada inviável.
A deputada baseou-se na declaração dada pela cientista Mayana Zatz à revista Época, publicada em 22 de fevereiro deste ano, no qual afirmou que, na prática, as famílias não teriam acesso a aconselhamento genético, embora o coordenador de média e alta complexidade do Ministério da Saúde, José Eduardo Fogolin, garanta que a Portaria 199/2014 não limita o exercício da atividade a geneticistas, facultando-o também a equipes multiprofissionais.
Diagnóstico e assistência
Segundo o Ministério da Saúde, o país tem 240 serviços aptos a promover ações de diagnóstico e assistência completa, com a oferta de tratamento adequado e internação nos casos recomendados. A cobertura de análise molecular de DNA, obrigatória desde 2008, raramente era cumprida, por falta de diretrizes e até por desconhecimento dos beneficiários.
“Essa legislação tem pontos positivos e, por se tratar de um esforço conjunto de entidades cientistas e governo, ela deve ser primeiramente regulamentada antes de ser aplicada na prática”, afirma o publicitário Marcos Antonio Teixeira, coordenador nacional do Grupo de Estudos de Doenças Raras (GEDR Brasil), organização fundada em 2009 e sem ligação específica a alguma das doenças raras.
“Queremos que todos os Estados se façam presentes por meio de centros de referência ou que haja uma cooperação mútua entre alguns, para atender uma população maior com a mesma qualidade de atendimento, por exemplo, do Rio Grande do Sul, referência internacional de diagnóstico e tratamento”, explica o gestor, que participou dos debates antes da publicação da Portaria 199/2014, publicada em 30 de janeiro. O GEDR tem o objetivo de atender consultas sobre este tema, enviadas por pesquisadores e grupos constituídos de pacientes do Brasil e do exterior.
Nesta mesma linha de pensamento, Rogério Lima Barbosa, presidente da Associação Maria Vitória (Amavi), primeira entidade voltada para doenças raras no Distrito Federal e estabelecida em 2011, argumenta que o SUS não tem o preparo necessário para acolher todos os pacientes com doenças raras. “Hoje são as associações que assumem esse papel porque o SUS não tem esse tipo de acolhimento. Ele não consegue dar informação para o paciente sobre o que ele tem, nem acolher as dúvidas dos pacientes”, diz.
Para a pedagoga Elizabeth Mira Piola, diretora-presidente da Associação Brasileira de Miastenia (Abrami), que engloba em torno de 2,5 mil associados, se por um lado a Portaria é válida, por outro ângulo ela é bem confusa. “O texto faz muita diferença entre doença rara e deficiência. Entretanto, nem todo paciente com doença rara apresenta deficiência, da mesma forma que nem toda pessoa com deficiência tem doença rara”, comenta.
Ela ressalta que, nos últimos anos, uma das mais destacadas conquistas dos pacientes que sofrem com a miastenia grave foi a aprovação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que propôs o CID G70 [miastenia gravis e outros transtornos neuromusculares], reconhecido pelo Ministério da Saúde. Estima-se entre 25 mil e 30 mil o número de pessoas afetadas pela enfermidade, mas o número deve ser maior, pois há ainda muitos casos sem diagnóstico.
A presidente da Associação Brasileira de Porfiria (Abrapo) – entidade fundada em 2006 que tem 420 pacientes com porfiria entre seus 697 associados –, Ieda Maria Scandelari Bussmann, afirma que, mesmo com divergências na atuação entre os diversos Estados e municípios que dão algum tipo de apoio ao tratamento de doenças raras, “estamos muito contentes com a Portaria 199/2014, embora possa ainda haver modificações”, salienta.
As mudanças são necessárias e urgentes, uma vez que atualmente os pacientes têm dificuldades para atendimento pelo SUS para obter a Hemina, medicamento para porfiria aguda intermitente, uma vez que não está registrada na Anvisa. Estima-se que uma em cada 10 mil pessoas seja portadora de mutação genética, mas somente de uma a cinco a cada 100 mil desenvolverão algum dos oito tipos de porfiria.
“Após árdua luta, conseguimos que a Hemina fosse incluída na lista de medicamentos a serem importados em caráter excepcional. Mesmo assim, a dificuldade persiste, pois o paciente em crise precisa do medicamento imediatamente, não podendo esperar o tempo da importação. Seria necessário ter disponível um pequeno estoque renovável, pelo Ministério da Saúde ou secretarias de saúde”, ilustra a presidente da Abrapo.
Em muitos casos, somente com a interposição de ações judiciais resolvem o problema, embora o Judiciário somente garanta um pedido médico, que é muito bem fundamentado. “Atendemos mais de mil pacientes com as mais diversas patologias. Caso fossem acolhidos pelas políticas públicas já existentes há muitos anos, não haveria tantas pessoas com sequelas e comprometidas fisicamente”, esclarece Regina Próspero, ­diretora-presidente da Associação Paulista de Mucopolissacaridoses e Doenças Raras (APMPS).
Como consultora, a gestora atuou na construção da Portaria 199, reiterando que as novas políticas em curso – e o cumprimento das mesmas – poderão evitar que outras pessoas passem pela mesma situação de quem teve sua capacidade produtiva comprometida, por falta de compromisso da administração pública. “Muitos daqueles que tiveram negado o direito a um tratamento digno foram precocemente a óbito, pois não conseguiram esperar pela burocracia do governo”, lamenta.
Evidentemente que nem toda legislação agrada a gregos e a troianos, mas o contínuo debate de ideias em torno de mudanças positivas em busca de melhorias nas condições de vida dos pacientes com doenças raras demonstram que o poder público e as entidades sociais estão no caminho certo.

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