
Por ZEPPA
[Marcio Zeppelini]
A espetacularização da pobreza se tornou um tema sensível e urgente no debate contemporâneo sobre comunicação social, direitos humanos e responsabilidade institucional. Para os gestores de organizações sociais, trata-se de uma pauta que exige distanciamento crítico, rigor conceitual e uma abordagem que ultrapasse impressões morais imediatas. É difícil, mas necessário.
A indagação central “Campanhas de OSCs estariam explorando a dor alheia?” convoca reflexões profundas sobre narrativas, enquadramentos e implicações éticas que atravessam a produção e a circulação de conteúdo no campo humanitário.
Nas últimas duas décadas, observou-se um avanço significativo na profissionalização da comunicação de organizações de impacto social. Estratégias narrativas passaram a incorporar elementos de storytelling, apelos emocionais e construções visuais de forte carga simbólica. Esse movimento, embora tecnicamente eficiente na mobilização de recursos, acendeu alertas quanto ao risco de transformar a pobreza em espetáculo.
A questão essencial não reside apenas no uso da imagem da vulnerabilidade, mas sim no modo como tal imagem é enquadrada, pois reduz indivíduos a objetos de compaixão. E esse não deve ser o foco de uma OSC.
Do ponto de vista da comunicação, é relevante compreender que a espetacularização não é um fenômeno pontual, mas um processo com começo, meio e fim. Ele envolve escolhas editoriais, como ângulos, cores, legendas, cortes e narrativa, que produzem efeitos de sentido.
O uso de uma fotografia ou de um vídeo num contexto de campanha pode, sem intenção explícita, reforçar hierarquias simbólicas entre quem doa e quem recebe; entre quem narra e quem é narrado. A estética da precariedade, quando repetida de forma massiva, cria um repertório imagético no qual a pobreza deixa de ser um fenômeno social complexo e passa a ser um signo prontamente reconhecível, facilmente consumido, emocionalmente instrumentalizado.
Esse tipo de representação possui diversas consequências. O apelo emocional excessivo, por exemplo, pode simplificar debates, diluir causalidades estruturais e reforçar a ideia de que a pobreza é um estado individual, desconectado de dinâmicas econômicas, históricas e institucionais.
Assim, a espetacularização atua como um dispositivo que naturaliza a vulnerabilidade e desloca a atenção dos fatores estruturais para cenas dramáticas que pedem respostas imediatas, não necessariamente estratégicas.
Um dos riscos nesse horizonte cinzento é que campanhas realizadas por OSCs baseadas na dor tendem a capturar a narrativa pública de maneira semelhante ao que ocorre na cobertura midiática de desastres. Ao privilegiar o choque emocional, esses conteúdos podem gerar ciclos de indignação rápida, seguidos por esquecimento igualmente veloz.
Essa volatilidade limita a capacidade de engajamento contínuo e dificulta a construção de um debate maduro sobre políticas públicas e direitos sociais. Além disso, reforça-se a lógica segundo a qual indivíduos em situação de pobreza só são visíveis quando sofrem, e só merecem atenção quando estão inseridos em narrativas dramáticas.
Pessoas negligenciadas
A autonomia das pessoas retratadas também é frequentemente negligenciada, uma vez que a comunicação humanitária raramente explicita processos de consentimento, participação e autoria. Assim, é necessário questionar em que medida essas campanhas representam sujeitos ou apenas usam seus corpos e emoções para fins de mobilização.
A fronteira ética torna-se particularmente delicada quando crianças, idosos ou pessoas em sofrimento extremo são expostos como elementos centrais da narrativa. Isso reforça estereótipos, desumaniza e compromete a legitimidade das iniciativas.
Para gestores de organizações sociais e profissionais de comunicação e marketing que atuam no Terceiro Setor, esse debate impõe a necessidade do uso de critérios mais robustos sobre o entendimento desses fenômenos. Isso inclui examinar práticas de enquadramento, modelos de governança comunicacional, discursos de marketing social e políticas de proteção de direitos de imagem.
Também é essencial incentivar estudos empíricos sobre os efeitos dessas campanhas: elas informam ou distorcem a percepção social? Mobilizam recursos ou reforçam estigmas? Ampliam a cidadania ou apenas reforçam a vulnerabilidade do outro?
A pauta da espetacularização da pobreza, portanto, exige uma reflexão crítica. Em vez de reforçar estereótipos, as organizações sociais podem (e devem) adotar modelos que deem voz às comunidades retratadas. O desafio é substituir o espetáculo pela dignidade, o impacto emocional pela informação qualificada, a compaixão instantânea pelo compromisso estruturado.
Maturidade comunicacional
Conclui-se que a pergunta inicial deste texto não encontra respostas simples. Não se trata de condenar a comunicação humanitária, mas de reconhecer que campanhas podem, sim, resvalar para a exploração simbólica da dor quando carecem de critérios éticos sólidos.
Ainda para os gestores, o desafio consiste em encontrar o ponto certo da maturidade comunicacional que o Terceiro Setor precisa assumir com urgência. Quando uma OSC escolhe comunicar a partir da SOLUÇÃO, e não da amplificação do PROBLEMA, ela rompe com a lógica da escassez, substituindo a narrativa da dor pela narrativa da potência. Isso não significa suavizar a realidade, mas ressignificá-la: mostrar que, apesar dos desafios, há caminhos possíveis, estratégias eficazes e transformações concretas em andamento.
Ao fazer isso, a organização não apenas fortalece sua credibilidade diante dos financiadores, dos parceiros e da sociedade, como também inspira engajamento genuíno. Pessoas e empresas investem em causas que demonstram capacidade de entrega, clareza de propósito e solidez técnica. E, sobretudo, investem em iniciativas que não exploram o sofrimento, mas o superam.
Portanto, o convite final é simples e profundo: que as OSCs revisitem sua comunicação e escolham estrategicamente contar histórias de avanço, e não de catástrofe; de inteligência coletiva, e não de resignação; de impacto mensurável, e não de urgência permanente.
Porque, ao contrário do marketing tradicional do Segundo Setor, no Terceiro Setor a confiança nasce não do medo, mas da esperança ancorada em resultados. E é essa esperança, firme, demonstrável e responsável, que MOBILIZA recursos, APROXIMA parceiros e SUSTENTA transformações duradouras.
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Marcio Zeppelini, ou simplesmente ZEPPA, é muito mais do que um
empresário e empreendedor social – é uma verdadeira força motriz de inspiração
e transformação! Com mais de 30 anos de trajetória, ele carrega no DNA a
atitude de #FazerAcontecer, liderando projetos que deixam marcas profundas no
mundo. À frente da Rede Filantropia, organizou mais de 2.000 eventos que
conectaram e impactaram milhares de pessoas. Como diretor-executivo da
Zeppelini Editorial, é responsável pela publicação de mais de 200 mil páginas
de conteúdos técnicos e científicos que disseminam conhecimento e geram
impacto. Além disso, já inspirou plateias em mais de 400 palestras realizadas
em 10 países, motivando pessoas a descobrir seu propósito e transformar sonhos
em ação.
Foto: JComp / Freepik




































