A ética do cuidar ou a arte de desatar nós

Por: Maria Iannarelli
21 Junho 2013 - 22h06

O mote da simplicidade, alicerçado nos saberes acadêmico formal e popular, parece ser um bom caminho para refletir sobre temas abrangentes, redefinindo conceitos e quebrando preconceitos a fim de atender aos desafios contemporâneos na prática do cuidar.
Como tema transversal a escolha profissional do assistente social tem importante significado. Será que, para uma prática saudável, devemos ter mais satisfação do que inquietação? Será esta uma afirmativa interessante?
Entra aqui o conceito de “zona de conforto”, deve-se pensar até que ponto é possível mensurar nossa própria resiliência e abertura para novos desafios e quebra de paradigmas, entre outros.
Novos modelos de convivência e novas demandas e necessidades de desenvolver habilidades sociais fazem com que as tradicionais equipes multiprofissionais estabeleçam novas formas de ações interdisciplinares, vislumbrando a prática transdisciplinar como alternativa irreversível e saudável.
Sob esta perspectiva, ampliando o entendimento sobre conceitos calcificados na nossa mente, temos algumas perguntas para reflexão da prática profissional:

Quem somos?

Somos cuidadores/profissionais da ajuda/agentes de transformação? Temos noção dos riscos emocionais da nossa profissão, enquanto trabalhador social?

Quem acolhemos?

Indivíduos, grupos alternativos, comunidades ou famílias? Afinal, de qual família falamos? Qual conceito está cristalizado em nossa prática, que veio de nossa própria história de vida, do nosso conceito ideal de família, entre outros?

Como atuamos?

Em equipe interdisciplinar verdadeiramente? Com ações inovadoras? Cuidamos de quem cuida? Cuidamos de nós mesmos?

Qual a nossa visão de mundo?

Refletimos sobre esta questão permanentemente? É uma visão holística? O nosso pensamento é sistêmico ou compartimentado, observamos somente a parte e não o todo?
Com estes eixos norteadores, podemos iniciar uma reflexão considerando algumas definições iniciais, as quais legitimam uma forma de estar no mundo. Norteadores podem e devem ser questionados permanentemente, num exercício dialético saudável e sujeito à transformação.
Complexidade versus simplicidade
Ampliar o foco de observação, permitindo-se ouvir opiniões, saindo do mote “velha opinião formada sobre tudo”, principalmente quando se está há muitos anos numa prática profissional rotineira. Permito-me ouvir todos os envolvidos no processo?

Instabilidade versus estabilidade Descrever com o verbo ‘Estar’, e não ‘Ser’.

Quando a atuação profissional parte do princípio de que uma determinada situação social, familiar ou profissional é problemática, o foco fica prejudicado, pois não há possibilidade de transformação em algo que, por natureza, já é. Por exemplo: este jovem é problemático, esta família é desajustada, esta comunidade é violenta ou este profissional da equipe é despreparado. Para tais afirmações não existem ações preparando o sujeito para “cumprir a lenda preestabelecida”.
Observe agora ao mudar nosso conceito: este jovem está com problemas em determinadas situações, portanto ele é maior do que o problema. Da mesma forma para a família: afinal o que é estar desajustada? Quais as condições que levaram a comunidade a situações de violência? O nosso colega de equipe está despreparado para quais atividades?
Exercitar esta mudança de olhar nos permite aposentar a ideia de pessoa-problema, bode expiatório, para uma visão do contexto familiar, comunitário e social em que estamos inseridos num verdadeiro caldo cultural e social.

Intersubjetividade versus objetividade

Acatar outras descrições (paradoxos) – complementando a possibilidade de ouvir os outros, permitir-se estudar uma determinada situação sobre várias perspectivas, raciocinando de forma paradoxal: qual a razão de não ser possível? Ouvir a intuição de que a prática profissional permite desenvolver e da qual, muitas vezes, desconfiamos e não valorizamos.
Esse pensamento sistêmico nos leva imediatamente a uma visão holística do mundo, a tal da sincronicidade, que permite juntar aspectos distanciados de uma mesma realidade. Neste contexto, ampliar o conceito de cuidado e cuidador parece bastante razoável. Afinal, o que significa cuidar? A seguir estão alguns conceitos:

  • significa atenção, precaução, dedicação, carinho, encargo e responsabilidade. Cuidar é servir, é oferecer ao outro, em forma de serviço, o resultado de seus talentos, preparo e escolhas. É praticar o cuidado;
  • envolve perceber a outra pessoa como ela é e como se mostra. Cuidado de forma individualizada;
  • implica em atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento efetivo com o outro.

Há muito a ser discutido sobre este importante tema e suas várias formas. Para tanto, proponho uma associação com a pirâmide de Maslow.
Utilizando as cinco etapas propostas na pirâmide, podemos considerar que os níveis de cuidado podem se associar desde as necessidades básicas até aquelas de autorrealização.
Desta forma, saímos do velho discurso de oferecer alternativas de “assistencialismo” para ações integradas que vislumbrem a transformação, sem perder o foco nas singularidades de cada situação.
Portanto, o termo cuidador será utilizado, sendo este conceito sujeito a mudanças e questionamentos, com o sentido de observar no profissional questões singulares.
Quais os riscos para o cuidador ao cuidar de todos como escolha profissional?
Existe a tendência de desenvolver a necessidade imperiosa de controlar coisas, pessoas, circunstâncias e comportamentos, na expectativa de monitorar suas próprias emoções. Pode desenvolver atitudes codependentes, ou seja, viver a vida do outro e não a sua, ser envolvido de forma doentia pela situação do outro, esquecendo a sua própria individualidade e, em muitas situações, adoecendo por isso. De um modo geral, caso estas características sejam desenvolvidas, o cuidador tende a ampliar tal comportamento para todos os segmentos de sua vida.
Os sentimentos mais comuns são: negação, tentativa de controle, sentimento de culpa, raiva, isolamento, tensão, vergonha, sensação de impotência e incapacidade, tendendo a desenvolver comportamentos como indefinição de regras, confusão de papéis, envolvimento emocional danoso para as relações interpessoais, enfim, um relacionamento codependente.
Os problemas que podem resultar são encontrados em vários profissionais da ajuda, cuidadores familiares, líderes comunitários, entre outros. Podemos citar: entorpecimento, depressão, síndrome do pânico, estresse do cuidador, baixa estima, uso de drogas para aliviar tensão, problemas de saúde e nos relacionamentos.
Nos sites dos Alcoólicos Anônimos existe um questionário interessante para verificar nosso grau de codependência, no link voltado para famílias (Naranon) e de outras irmandades semelhantes, como Narcóticos Anônimos, Amor Exigente, entre outros.

CUIDANDO DE QUEM CUIDA

Frente a estes riscos para o cuidador, algumas sugestões podem contribuir para uma vida saudável, cuidando de si mesmo, as quais, embora simples, podem colaborar para a prática do dia-a-dia: organize-se para pequenas pausas; peça ajuda, apoio e encorajamento aos colegas; experimente fazer as atividades de modo diferente; peça auxílio quando se sentir estressado, ou seja, ajuda mútua; preste atenção ao que sente; não se deixe atingir pessoalmente pelo comportamento das pessoas das quais você cuida e valorize o positivo; preste atenção em alguma coisa boa que acontece em sua rotina.
Para finalizar este momento de reflexão, é importante acrescentar um conceito que pode facilitar a nossa prática profissional e que, embora não seja inovadora, traz uma perspectiva alentadora: falo da espiritualidade. Espiritualidade, não religiosidade, posto que esta última é individual e intransferível.
Dalai Lama desenvolveu um conceito interessante sobre o assunto ao caracterizar a espiritualidade como as qualidades do espírito humano: amor, compaixão, paciência, tolerância, capacidade de perdoar, contentamento, noção de responsabilidade e noção de harmonia, que compõem a felicidade da própria pessoa e para os outros. O mesmo finaliza declarando que, se estas qualidades estivessem plenamente desenvolvidas, a noção de religião seria desnecessária.
Duas destas características me chamam mais a atenção em relação ao cuidador: compaixão e capacidade de perdoar. A compaixão é vista no sentido de solidariedade, que nos dá um princípio norteador mais horizontal em nossa prática, diferentemente da comiseração, pena, dó etc. Já a capacidade de perdoar, partindo do princípio que o cuidador, ao querer controlar tudo e todos, corre o risco de ser muito rigoroso consigo mesmo, morre achando que fez pouco. Quando o cuidador consegue aceitar suas limitações, perdoar suas faltas, ele tende a realizar o mesmo com as fragilidades alheias. Vivendo e deixando viver.

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