Por que as sociedades estão perdendo a fé nas tecnologias verdes?

Por: Instituto Filantropia
26 Março 2014 - 23h41

Poucos temas têm dominado tanto o debate público e a agenda política nos últimos anos como as mudanças climáticas e o aquecimento global. Tanto nos meios de comunicação como entre as prioridades e preocupações do público, o tema ganhou um espaço que antes não tinha. Filmes de catástrofe, como “O Dia Depois de Amanhã” ou documentários premiados, como “Uma Verdade Inconveniente”, contribuíram para que o grande público saísse da indiferença. Muito além da ficção, o tom dramático, urgente e pessimista une segmentos de todo tipo. “Este é um livro sobre pesadelos, catástrofes” adverte o sociólogo Anthony Giddens em sua recente obra, “A política da mudança climática”. “O aquecimento global deve ser visto como uma ameaça econômica e à nossa segurança”, denunciou o ex-secretário da ONU, Kofi Annan. “As mudanças climáticas constituem um dos maiores desafios do nosso tempo”, apontava a carta aberta do Instituto Ethos do Brasil quatro anos atrás. Por sua vez, o líder social e ambientalista Lester Brown alerta que as mudanças climáticas significam menos comida e mais fome, sendo que o seu livro “Plano B” apresenta como subtítulo “mobilização para salvar a civilização”.
Embora muitas dessas vozes venham do Primeiro Mundo, o eco chegou com força até os países emergentes, como o Brasil: o tema multiplicou por sete seu espaço na mídia, ao mesmo tempo em que o número de eventos climáticos extremos ao redor do planeta se multiplicou de modo proporcional à sua intensidade. Registros privados iniciados em 2004 indicavam a ocorrência de 640 eventos catastróficos, que deixaram como saldo 11.600 vítimas fatais e quase US$ 108 bilhões em perdas; em 2012, os eventos foram 905, com 8.900 vítimas fatais e US$ 150 bilhões em perdas. Ainda, se no ano de 2000 o desvio da média de temperatura do século 20 se limitou a 0,40 graus Celsius, em 2012 chegava a 0,67. Tanto as catástrofes como as mudanças abruptas na temperatura colocam o tema no radar e na realidade das sociedades (e não só das suas elites científicas ou ambientalistas), e facilitam tanto a visibilidade do tema como a formação de atitudes e opiniões sobre o assunto.
Como resultado, o tema se instalou nas nossas sociedades. Na Europa, a grande maioria da população considera os perigos das mudanças climáticas um problema mais sério se comparado à crise financeira, ficando atrás apenas da pobreza. No mesmo sentido, uma ampla maioria de norte-americanos expressa ter sido afetada pessoalmente por eventos climáticos extremos nos últimos 12 meses, associando essas ocorrências diretamente ao aquecimento global. A escala global, pesquisa feita em 18 países de todos os continentes, indica que 50% da população mundial considera as mudanças climáticas um problema muito sério, enquanto 31% das pessoas consideram-nas um problema razoavelmente sério.
A recente atualização do relatório do IPCC sobre mudanças climáticas deverá reanimar a atenção mundial sobre o tema nos próximos meses com um alerta reforçado, uma vez que a comunidade científica internacional aponta com grau de precisão nunca enunciado antes que, com 95% de certeza, a atividade humana é a causadora das brutais oscilações do clima e suas consequências sociais, econômicas e ambientais. O relatório confirma que devido à expansão agrícola, industrial, urbana e demográfica, será ultrapassado o aumento de dois graus. Depois disso, os efeitos ambientais serão previsivelmente imprevisíveis. Ele também ratifica as predições de aumento do nível do mar e o atingimento do maior grau de concentração de efeitos de gás estufa em 800 mil anos. Corrobora ainda que, junto com vários outros países emergentes, o Brasil será um dos mais afetados.
Apostar em novas tecnologias ou novos estilos de vida?
Diante das comprovações, o foco passa a estar nas soluções: dar preferência às mudanças nos estilos de vida ou às mudanças trazidas pela tecnologia? Na medida em que as diferentes partes envolvidas encaram as alternativas válidas de ação condicionadas pelos seus valores e interesses, o equilíbrio entre ambos os caminhos se vê naturalmente afetado. Por exemplo, as empresas, alguns setores da comunidade científica e o governo (como Ministérios de economia, planejamento, educação e tecnologia) trabalham com a premissa naturalizada de que o risco ou desafio climático e ambiental não só representa uma situação de pressão, como também um cenário de oportunidades. E boa parte dessas oportunidades está vinculada à geração e à oferta, por exemplo, de inovações em procedimentos e soluções tecnológicas (tais como geradores de energia limpa, equipamentos que aumentem a eficiência energética e do consumo de água, métodos verdes de construção civil, reengenharia biomimética e desenhos inteligentes de produtos e embalagens, ampliação dos processos de reciclagem etc.), o que inclinaria a balança a favor da preferência por saídas através da tecnologia – a promessa da “economia verde”.
Por outro lado, ONGs e entidades da sociedade civil, outros setores do governo (como Ministérios da saúde e meio ambiente), assim como inúmeros membros da comunidade acadêmica, questionam a eficácia das respostas tecnológicas e interpretam que o principal objetivo no longo prazo passa por modificar substancialmente as condutas pessoais e a aspiração de manter níveis de consumo insustentáveis, induzindo à priorização pela mudança nos estilos de vida. Para muitos deles, as respostas tecnológicas são quimeras que escondem ou aninham problemas e riscos ainda maiores posteriormente.
A tensão entre essas opções específicas também é nutrida por debates relativos a quão genuína é a predisposição dos indivíduos a apropriar-se ou não do problema, pois essa escolha implica em um alinhamento com estratégias que envolvem o indivíduo de maneira central. A questão sobre até que ponto as respostas à crise ambiental devem vir de mudanças nos hábitos e valores pessoais, ou de mudanças externas impulsionadas por inovações tecnológicas, constitui-se, assim, em um indicador-chave da intensidade dos compromissos pessoais com o tema, do grau de autorresponsabilização vigente e da percepção de empoderamento individual. Essa tensão também reflete parte das contradições naturais da modernidade. Neste sentido, a fé na saída tecnológica é uma derivação natural da crença moderna que consagra o domínio racional das atividades e processos.
Quanto mais ricos,
mais céticos sobre a tecnologia
Só que, curiosamente, é nas nações mais avançadas industrial e tecnologicamente, pioneiras na modernização e racionalização de processos, que se concentra a maior resistência a apoiar essa opção pela salvação tecnológica. Elas conseguiram converter pioneirismo tecnológico em bem-estar econômico e social, então não deveriam apostar com mais afinco numa solução apoiada na tecnologia? O grau de afluência econômica é determinante na maneira como os países lidam com as mudanças climáticas . Riqueza reflete maior vivência com o avanço tecnológico e com os perigos decorrentes. As inovações que permitiram acelerar o crescimento econômico, acumular bens e garantir o bem-estar também geraram impactos sociais e ambientais cada vez menos ignorados como “externalidades” e cada vez mais visíveis como riscos ou problemas. Resultado: existe uma relação negativa entre a riqueza da nação e o apoio à tecnologia.
Quando o foco recai sobre as nações em desenvolvimento, sabemos que a falta de recursos está diretamente relacionada com a vulnerabilidade. Embora a pobreza não seja sinônimo de vulnerabilidade, ela expressa a capacidade de lidar com o problema. Na medida em que indivíduos dos países emergentes exibem uma percepção de risco mais acentuada da situação, é natural estarem mais propensos a depositar suas expectativas sobre a tecnologia (negando ou desconhecendo os efeitos colaterais da industrialização), uma vez que possuem poucos recursos para se mobilizarem de outras formas.
A complexa influência
da sustentabilidade corporativa
Para aqueles que rejeitam o reducionismo econômico como forma de ler o funcionamento do mundo, uma possível explicação alternativa tem a ver com a maturidade institucional das sociedades. De forma geral, países que possuem instituições sociais mais desenvolvidas (por exemplo, aqueles que se apoiam na autorregulação, permitem a livre circulação de ideias e propostas, estimulam a sustentabilidade corporativa, comunicam livremente os impactos positivos e negativos da atuação corporativa sobre a sociedade e meio ambiente etc.) tendem a apresentar mais capacidade de inovação e adaptação diante de desafios coletivos, como as mudanças climáticas. Esse é o ambiente propício para o progresso das ideias, a valorização do conhecimento e a modernização apoiada na tecnologia. Ao mesmo tempo, sociedades abertas com democracias sólidas e empresas trilhando o caminho da sustentabilidade de forma mais consistente encontram limitações para socializar os custos de absorver medidas que afetem os interesses das suas clientelas, como eleitores e consumidores. Nesse sentido, as condições institucionais tenderiam a favorecer respostas que se apoiem menos na internalização de custos mais altos entre seus públicos de relacionamento (tais como a mudança de hábitos e estilos de vida) e mais nos avanços tecnológicos, que não exigem medidas antipáticas.
Se tomarmos o grau de sustentabilidade corporativa como indicador de progresso institucional e considerarmos o número de empresas publicando relatórios socioambientais no padrão da Global Reporting Initiative (GRI) como referência, descobriremos que existe uma relação bastante complexa entre maturidade institucional e favorecimento da opção tecnológica. O desenvolvimento institucional favorece a fé na tecnologia, porém, após certo umbral de maturidade, essa relação se inverte, revelando críticas à solução tecnológica nas sociedades mais avançadas em termos de engajamento corporativo com a sustentabilidade. São exemplos dessa relação os Estados Unidos e a Espanha, países com as mais elevadas taxas de publicação de relatórios de sustentabilidade no formato GRI e população crescentemente cética quanto às soluções tecnológicas para o problema das mudanças climáticas.
O desenvolvimento industrial e o altíssimo engajamento socioambiental do mundo empresarial compõem, hoje, o ambiente onde se nutre a maior resistência a expressões da economia verde como modelo de resposta às mudanças climáticas. Isso representa um sinal de alerta, uma vez que, paradoxalmente, são em nações com essas duas características que surge a maioria de inovações. Alguns podem se sentir tentados a interpretar tais resultados como pura contradição, hipocrisia ou inconstância dos cidadãos. Outros podem lembrar que são essas sociedades as que mais favorecem a escolarização da população, um senso de responsabilização individual e a liderança empresarial em sustentabilidade, situação ideal para se autorrefletir sobre os efeitos coletivos das decisões cotidianas de compra, uso e descarte de cada cidadão (assim como da influência corporativa nessas escolhas). Resultado: maior ênfase nos estilos de vida. Talvez a leitura mais pragmática seja entender que essa confluência de mais desenvolvimento e menos fé na tecnologia sugira no mínimo a necessidade de planejar e posicionar as soluções tecnológicas como mecanismo facilitador de mudança nos hábitos pessoais.

2014-03-26 2033

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