Consumo colaborativo no Brasil

Por: Fabián Echegaray, Market Analysis
14 Julho 2020 - 00h00

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Bicicletas e patinetes cujos usuários não são seus donos, espaços de trabalho que podem ser usados por vários anos ou por apenas um dia, aplicativos de caronas pagas que se multiplicam a cada ano. O consumo colaborativo ou compartilhado parece estar vivendo uma era dourada, com cada vez mais oferta e procura. Junto desse sucesso, a crença ou reivindicação comercial pelo menos de que, dessa maneira, um futuro mais sustentável estaria sendo construído. Seria uma longa vida para o consumo colaborativo?

Pesquisa inédita da MARKET ANALYSIS revela que quase metade dos brasileiros (47%) está familiarizada com o conceito de consumo compartilhado. O tema vem ganhando espaço: há cinco anos, eram apenas 20%. Contudo, a parcela dos que o praticam efetivamente — com troca ou compra de roupas usadas, hospedagem compartilhada e caronas, por exemplo — é mais modesta, de apenas 16%, embora signifique o dobro do que acontecia em 2015.

O estudo faz parte do projeto “Radar de Consumo Colaborativo” e ratifica que o pulo do gato desse fenômeno reside em que não se trata mais de posse nem de compra de um bem, e sim de acesso às utilidades que do uso dele derivam; não se trata mais de focar no produto ou bem, e sim no resultado de acessar o bem ou o objetivo de uso do bem.

Entre 2015 e 2019, houve uma popularização do conhecimento sobre essas práticas, que cresceu em todos os segmentos sociais, mas com maior força nas classes C, D e E — com evolução de 18% para 49%. Isso significa que, mais do que uma moda, trata-se de uma tendência comportamental com crescente capilaridade social, fugindo da elite em que se incubam as novidades num momento inicial.

Carros e caronas compartilhadas são a primeira menção dos entrevistados. A empresa mais lembrada é o Uber - até aí, nenhuma surpresa. Já a mais citada no segmento de moda compartilhada — que ocupa o segundo lugar em associação espontânea — é a plataforma Enjoei, que comercializa vestuário de segunda mão e tem boas perspectivas para a evolução dos negócios. Esse ator espera movimentar de 4 a 5 milhões de peças em 2020 e registrar um crescimento superior a 100% em relação a 2019, algo que o cofundador do Enjoei, Tiê Lima, entende ser só o começo. Além do espaço que existe no mercado para crescer — a pesquisa indica que 56% dos consumidores colaborativos têm alta intenção de comprar moda compartilhada — o Enjoei aposta na recorrência. “Quem começa a comprar moda de ‘second hand’ não para mais. Quase 40% das transações mensais são de pessoas que compram mais de cinco vezes no mesmo mês”, afirma Lima.

Apesar da forte tendência em associar o consumo colaborativo quase exclusivamente a soluções de mobilidade e moda sustentável, o futuro parece promissor para diferentes nichos, como o de trocas de instrumentos de lazer cultural ou entretenimento e o de espaços de coworking. Metade dos entrevistados — foram ouvidos 560 maiores de 18 anos de todas as grandes regiões do país, abrangendo as 26 capitais, de 14 a 22 de novembro de 2019 — revela interesse em fazer uso compartilhado de locais de trabalho, hospedagem e brinquedos. Atualmente, apenas entre 2% e 12% do total de usuários de fato se engajam nessas práticas. Essa diferença revela as oportunidades de crescimento que existem para esses segmentos.

O avanço, porém, apresenta desafios. Existe uma barreira pelo lado da oferta que transparece em plataformas que não funcionam 100%: ambiguidades quanto ao amparo jurídico ou legal de certas atividades, economia de escala para atividades de troca de serviços e dificuldades para um contato seguro com o fornecedor. Outras dificuldades advindas da oferta remetem ao potencial greenwashing de alguns atores, que pegam carona na áurea de sustentabilidade do consumo compartilhado para, ao longo do ciclo de uso, se revelar indiferente às possibilidades de gerar uma virtude ambiental pelo uso do produto.

É o que acaba de acontecer em Florianópolis com as bicicletas compartilhadas, cujo sistema foi desativado e, ao invés de tentar redistribuir as bicicletas não usadas entre potenciais usuários, preferiu-se descartar como material para reciclagem.

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Mas também existem barreiras pelo lado da demanda, algumas com claro viés de classe. A ideia de que o importante é preencher uma necessidade utilizando e não possuindo um bem ainda colide com a associação entre posse de um bem e sinalização de status e afirmação identitária perante os outros. Essa crença é muito forte nas classes médias emergentes e consolidadas. Existe também no Brasil uma gigantesca desconfiança interpessoal como um obstáculo de proporção inédita no mundo. E os sistemas de reputação, contato e informação não conseguem superar essa barreira na medida necessária.

Apesar de manter uma aura positiva para uma grande maioria, a pesquisa mostra que arrefeceu um pouco a expectativa que o consumo colaborativo contribua a poupar recursos naturais (-4%), encarne uma forma sustentável de consumir (-6%), democratize o acesso a bens para quem não pode comprá-los (-7%), ou conteste o atual viés de acumulação e posse de bens em vez de focar no acesso (-7%). A agressiva incorporação de certas propostas de consumo colaborativo em iniciativas empresariais, como no setor de mobilidade urbana, e a transformação em commodity de outras práticas que inicialmente demonstravam ter um espírito mais social ou de recriação de um laço comunitário, deixaram mais clara a natureza comercial ou pró-lucro de muitas iniciativas. Por sorte, o desencantamento ainda é moderado.

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As empresas, no entanto, têm um papel importante. Aumentou a percepção de vulnerabilidade para quem usa as plataformas de economia compartilhada: 75% pensam que podem ser roubados ou enganados (61% na pesquisa anterior). Uma maioria (58%, antes 40%) concorda com a frase “Eu não confio em outros consumidores para dividir o uso de um produto com eles, para pegar carona ou para fazer algum serviço na minha casa ou eu ir à casa deles”. Uma decorrência natural é que aumentou o número de consumidores que se engajariam em práticas colaborativas desde que uma empresa faça a intermediação do processo (de 68% em 2015 para 71% hoje). Com isso, o próprio consumidor contribui para a “colonização capitalista” que corrói o idealismo originalmente associado à ideia de consumo colaborativo.

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