Incentivo à cultura

Por: Michel Freller
01 Julho 2009 - 00h00

Sem dúvida a nova lei da Cultura tem muitos as–pectos positivos, bem como uma análise do passado bastante adequada. Este artigo tem o objetivo de discutir alguns aspectos e sugerir melhorias. Que a cultura é acessada por pequena parte da população com concentração no Sudeste não é novidade, mas lembremos que, provavelmente, sem as leis de incentivo o cenário seria pior. A visitação de museus, a venda de livros e o acesso a filmes equiparam o Brasil aos países em desenvolvimento em pior situação financeira e nos deixa sem argumentos com nossos vizinhos latino-americanos. Cabe à televisão ser o grande difusor da cultura no Brasil. Porém, essa situação não será alterada com as modificações propostas e, infelizmente, talvez possa piorar.

Primeiramente, deve haver uma base de dados confiáveis. Os documentos disponíveis em abril mostram informações um pouco díspares sobre os números da cultura. O ministro fala em incentivos de R$ 1,3 bilhão; porém, os dados do próprio Ministério chegam perto de R$ 1 bilhão. É uma diferença de 30%, considerada alta estatisticamente.

Os dados da Receita Federal e do Ministério da Cultura (MinC) também não combinam com uma diferença de 10%. Não se esclarece quais valores são relacionados ao Mecenato (lei nº 8.311) e ao Audiovisual. Mas, concordando com o ministro, os valores são muito pequenos para uma área tão importante: menos de 2% de todo o orçamento da União, ou aproximadamente R$ 2 bilhões. Nesse ponto, a vinda de novas fontes, como a da loteria, é muito bem-vinda, assim como a possibilidade de financiar um projeto e devolver o valor por meio da venda dos produtos culturais.

Das inovações trazidas com a lei, o limite de 30% para as áreas administrativas, comerciais e de captação como um todo parece muito bom. Falta ainda a regulamentação dessa parte e de toda a lei, mas, se pudermos tirar o estigma de que o captador de recursos é um caçador de recompensas na base dos 10%, seria muito bom. Esse profissional deve ser remunerado como os advogados, contadores etc., ou seja, com um salário pré-determinado, sem risco de não receber pelo trabalho realizado. O vale-cultura é outra novidade muito criativa, que pode ser bem utilizada pelas empresas.

Por outro lado, algumas afirmações são preocupantes. Pelo novo sistema, as renúncias fiscais vão variar de 30 a 100%, de acordo com critérios claros, para orientar a Comissão Nacional de Incentivo.

Irão compor esses critérios a relevância cultural, o incentivo à economia da cultura e a acessibilidade a públicos de todas as camadas sociais. Com exceção do último item, é muito difícil criar mecanismos claros para os dois primeiros quesitos. Como e quem julgará a relevância cultural? Com que parâmetros? O que é economia da cultura?

Uma falácia que se afirma é que hoje há incentivos para pessoas jurídicas de 30, 40 e 100%. Na verdade, eles são de 64, 74, 100 e 125%, pois é permitido que os projetos aprovados no artigo 26 sejam considerados como despesa operacional, acrescentando outros 34% de incentivos. Na nova redação da lei, esse mecanismo de considerar despesa ficará proibido.

Sendo assim, que empresa optará por um projeto com 30 ou 40 % de incentivo quando puder escolher um projeto e pagar somente as despesas vinculadas, como aluguel de teatro ou veiculação em jornais, e gozar de uma vantagem fiscal de 34% sem precisar de muita burocracia? As doações para organizações qualificadas como Oscips ou de Utilidade Pública Federal também gozam de 34% de incentivos, mostrando-se de difícil captação.

Por outro lado, os projetos de filmes comerciais conseguem uma economia com impostos que deveria ser abolida, pois permite que uma empresa “ganhe” 25% com impostos se apoiar um projeto pela Lei do Audiovisual, e também por permitir considerar como despesa operacional o valor destinado ao projeto do filme incentivado para efeitos de apuração do Imposto de Renda.

Proponho que tenhamos incentivos de 50 a 100%, com escalas de 10%, e com critérios muito claros para que qualquer pessoa possa julgar, seja por cidade ou Estado, área cultural, população beneficiada ou valor do ingresso, sem entrar em critérios subjetivos.

Outra reclamação do ministro é em relação à quantidade pequena de empresas que utilizam o incentivo. Segundo ele, são 4%, ou seja, somente 8 mil das 200 mil empresas que declaram por lucro real. Na verdade, o número é menor. Segundo os dados do próprio MinC, foram 3 mil empresas em 2008 (1,5% das empresas).

Nessa questão, há mais um equívoco do Ministério: pensar que tais empresas são possíveis investidoras. Porém, o que não se entende é que a maioria das empresas que opta por este regime de pagamento de imposto o faz porque teve prejuízo ou lucro muito pequenos. Para a Cultura, seria muito melhor permitir que as outras 5 milhões de empresas que declaram por lucro presumido pudessem destinar 1% dele para projetos incentivados em sua região. Isso atenderia a dois pontos do diagnóstico. A desconcentração do Sudeste e mais empresas participando da Cultura Nacional.

No entanto, o maior equívoco da nova lei está na criação dos fundos. Para comprovar essa tese, há a experiência de outro incentivo fiscal, o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (Fumcad).

Quando foi criado, esse incentivo partia da mesma linha dos fundos agora descritos. As empresas deveriam fazer doações de até 1% do Imposto de Renda ao Fumcad para apoiar os melhores projetos em defesa das crianças e adolescentes.

O apoio financeiro foi muito tímido no início, até que a prefeitura de Porto Alegre encontrou uma saída criativa e permitiu que as empresas escolhessem o projeto que gostariam de apoiar. Naquele ano, São Paulo captou R$ 7 milhões, e, Porto Alegre, cidade dez vezes menor, captou R$ 15 milhões para seus projetos. Hoje, a maioria das cidades segue o modelo de Porto Alegre, impondo uma pequena participação de 10 a 25% a ser direcionada aos projetos que não conseguem mobilizar empresas e para pagar a burocracia dos fundos, bem como a capacitação de seus membros.

A última sugestão para trazer mais recursos para o Fundo Nacional da Cultura (FNC) está na área administrativa das contas públicas. Ao elaborar o orçamento da União, a Receita Federal prevê o valor que será arrecadado com o Imposto de Renda e separa 4% para não ser utilizado, a não ser por projetos incentivados pelo MinC. No fim do ano, é verificado o valor destinado pelas empresas, e a diferença volta para os cofres da União. O MinC deveria reivindicar que essa diferença fosse depositada no FNC e, assim, capitalizá-la para os projetos de seu interesse. Em 2008, esse valor foi próximo de R$ 400 milhões, segundo os dados da Receita.

Enfim, seria muito produtivo ter um profissional com especialização tributária em incentivos fiscais e orçamento da União para orientar e assessorar a equipe do MinC na nova redação da Lei de Incentivo à Cultura, após a consulta pública, que foi uma iniciativa muito democrática. Assim, não corrermos o risco de ter uma lei muito boa e não ter o apoio da sociedade, suas empresas e cidadãos.

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