Reflexão

Por: Felipe Mello
28 Julho 2018 - 00h00

Outro dia eu fui viajar de avião. Da capital de São Paulo a João Pessoa e, novamente, de volta à minha casa, em pouco mais de 24 horas. Mas, confesso, estava animado com a viagem. Gosto cada vez mais da palavra latina anima, que em português se traduz por alma. O sentido que me toca forte escapa ao convencional e religioso. É a ideia de energia interior, daquilo que vibra no humano, que bota em movimento, encanta, provoca. Gente animada cheira à potência. Se for animada e ética, transborda e eleva a vida. Sobre o desânimo, bem, sinto que não preciso comentar muito. Eu e você sabemos do que se trata e, ainda mais, do quanto pode nos privar de gozar a jornada.

Minha animação não tinha relação com o fato de estar no aeroporto, prestes a voar. Aliás, apesar de não ter muito medo – apenas o suficiente – de viajar de avião, o que me gera desajeito em aeroportos são algumas coisinhas, que aparecerão por aqui em instantes. A alma batucava e dançava no sensível de mim, por conta da causa da viagem. Motivo, propósito, razão, causa, engajamento.

Por que fazemos o que fazemos?

Combustível da animação com potencial duradouro, terreno fértil do protagonismo, a clareza e o abraço às causas ampliam demais a chance de nos colocarmos na direção da aventura. Eu estava indo de propósito, não por acaso. Afinal, a estrada já percorrida ofereceu uma pista que considero cada vez mais o elixir essencial do bem estar subjetivo: atenção à crença e ao tesão que nutrimos pelos nossos porquês, pois sem isso corremos sérios riscos de mediocrizar os ‘comos’.
A clareza das causas, entidade transitória que demanda reconexão constante, me estimulava a estar no momento presente.

Quanto estamos onde estamos?

Antes que você pense que eu estava imerso em brisa suspeita, tamanho o regozijo relatado até agora, volto à promessa feita em parágrafo anterior: as coisinhas que me incomodam em aeroportos e, desafortunadamente, também em outros locais. Fico com dois itens.

O primeiro: será que as companhias aéreas precisam ficar anunciando, com insistência, os voos que estão para partir, as trocas de portões de embarque, as últimas chamadas, os nomes e sobrenomes dos passageiros atrasados e atrasadíssimos, na maioria das vezes numa locução que varia entre o desinteresse modorrento à intimidação violenta? Gente, tem uma televisão com as informações dos voos a cada 10 metros. Esse excesso – e aí reside o meu bode – parece ser consequência de um comportamento que tantas vezes percebo como ponta solta de nosso novelo social: flexibilidade demasiada com os combinados. Passageiros que não se preparam com antecedência, causando atraso e correria; companhias aéreas e gestores de aeroportos que mudam as regras do jogo, não importando as consequências para os indivíduos, além de tantas outras variáveis. Enfim, pinço esse furdunço aeroportuário como símbolo do maior desafio que temos em sociedade: cuidado na preparação e defesa dos acordos coletivos, diminuindo o poder de alguns algozes e convidando vítimas ao protagonismo.
Quanto estamos com quem estamos?

Segundo item de desconforto, que apesar de chato como o primeiro, também não foi suficiente para me desanimar. Eu me sentei para esperar o embarque. Tinha meia hora pela frente, no mínimo. Cansado dos anúncios desafinados e histéricos dos alto falantes, botei os fones de ouvido e ouvi uma música bem humana (Issues), escrita e interpretada por Julia Michaels. Ela fala das questões de cada um de nós, assim como os riscos para a convivência do julgamento mútuo e precipitado. Tudo bem, moça, concordo contigo. E você canta bem. Mas tem horas que o “outro” força a barra, atravessa a fronteira. Sentado em meu banco, comecei a sentir uns solavancos. Uma onda bruta que vinha de três cadeiras à minha direita. Lá estava um rapaz conversando com outro, à sua frente. A cada 10 segundos, ele se projetava em direção ao interlocutor, e o seu corpo ia e voltava como uma marreta, fazendo respingar para além dele o gesto descuidado de quem parece pensar que o mundo está aí para servir às nossas veleidades, custe o que custar. Em poucos minutos, levei um punhado de pancadas nas costas. Quando eu estava prestes a abordar o rapaz, ele se levantou. Pensei um pouco sobre aquele comportamento, meu e dele. Talvez um exagero meu. Talvez, não. Talvez eu deva ter mais paciência, respirar mais profundamente. Talvez, não. Prefiro pensar que poderia ter sido diferente, com um pouco mais de cuidado com o que e com quem está à nossa volta.

Ética no miúdo da vida.

Depois de me permitir um desabafo cricri, volto ao propósito da viagem animada. Ia a um evento de uma empresa parceira da organização que dirijo, o Canto Cidadão. Há quatro anos, essa parceria vem conosco, via leis de incentivo, na oferta a milhares de frequentadores de hospitais públicos e crianças da rede pública de ensino, o contato com expressões artísticas de forma democrática. E a melhor parte é que a empresa parece, sinceramente, estar mais interessada com os resultados socioculturais do que com a visibilidade da iniciativa, que apesar de importante, é secundária.

A todos nós, desejo corajosa coerência, que sintonize o que pensamos e falamos com o que fazemos. Desde os pequenos gestos até as decisões mais relevantes, para que os aeroportos e o mundo transpirem mais respeito à coletividade. E que as parcerias estabelecidas nos tragam os recursos necessários para as atividades, mas, acima de tudo, nos animem a fazer o bem de forma bem feita.

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